Ser imigrante brasileiro ou ser brasileiro fora do Brasil
- Júlia de Souza Lopes
- 6 de jul. de 2024
- 2 min de leitura

Ser brasileiro e perceber-se brasileiro fora do Brasil são experiências muito distintas. Tem algo que se destaca e ressalta quando pisamos fora de território nacional. É um sentimento de latinidade nunca antes sentido, um reconhecimento de uma proximidade que até então parecia tão distante ou um sotaque que te apontam, um pedido de comprovação de nacionalidade por via do samba na ponta de um pé em que ele nunca esteve, mas que sua falta talvez nunca tenha sido uma questão antes desse momento.
Talvez, nunca antes disso, tenha-se pensado, afinal, o que faz alguém brasileiro para além do país em que nasce. Mas o que faz ou deveria fazer, como é ou deveria ser um brasileiro ganha sublinhados contornos - ainda que feitos por mãos “estrangeiras” - quando se está fora do Brasil. Aliás, o que fica em evidência quando se é imigrante, e que é relatado com tanto bom humor pelo escritor baiano João Ubaldo Ribeiro no livro "Um brasileiro em Berlim", é justamente esse sentimento de estrangeirismo.
Uma dimensão de si tão atreladas à cultura e tão orientadora das relações sociais e afetivas se ressalta de uma forma tanto incontornável quanto até então desconhecida. É uma troca de olhares, uma expressão facial, uma onomatopeia que é e só pode ser compreendida por aqueles que compartilham da mesma cultura. Um meme, uma expressão intraduzível, uma piada que só tem graça na sua língua materna.
A falta desse terreno em comum de partida é sentida como um estranhamento muitas vezes difícil de nomear. Por mais que se aprenda bem um idioma, talvez este possa ocupar no máximo o lugar de “língua madrasta”, de segunda língua.
Apesar de sempre ter algo da linguagem que nos submete à impossibilidade de transmitir com palavras exatamente aquilo que pensamos e sentimos, que queremos expressar, a cultura nos fornece maneiras outras para tentar contornar essas lacunas e, no caso de uma comunicação que acontece numa outra língua diferente da materna, sempre haverá algo da circulação dos afetos que será intraduzível.
Poder lidar com as angústias causadas por essas lacunas na companhia de uma analista pode ser uma forma de poder aplacar a traição que sempre está implicada na tentativa de uma tradução.